Uma fotografia do autor. |
Desde o início da minha adolescência, eu sempre gostei de escrever diários. Demorava-me muito tempo relatando os acontecimentos da semana, aquilo que havia mudado desde o meu último registro e minhas impressões pessoais sobre a vida. O que mais gostava era de, passado um bom tempo, reler aquelas memórias que, agora, tinham sabor de saudade. Assim, a cada nova etapa de minha vida, eu conseguia, por meio desses cadernos, compreender a completude dos anos que se passaram e depreender alguns aprendizados importantes.
Portanto, quando comecei a leitura do relato autobiográfico de Akutagawa intitulado A vida de um idiota acabei me encontrando no meio daquela história tão trágica. Apesar do narrador ser em terceira pessoa, ele nos transmite com tanta precisão a subjetividade do protagonista que parece que estamos ao seu lado: vendo-o caminhar progressivamente em direção à desesperança, à morte. Identifiquei-me com o tom intimista da narrativa, porque além do efeito citado anteriormente, em alguns momentos me sentia coparticipante daquela história. Assim, pouco a pouco, a cada palavra lida, meu coração foi sendo tomado por um amargor triste.
Encontrei pequenas gotas de consolo nas belíssimas descrições feitas sobre o espaço ficcional, porém a que mais me alcançou foi aquela em que ele descreve a luz lunar iluminando o rosto da mulher amada: “O rosto dela parecia, como sempre, banhado pela claridade da lua.” (pág. 192). Nesse e em outros momentos vislumbrei lampejos de esperança, como no seguinte excerto: “Mas apenas aquelas faíscas violetas – aquelas faíscas incontroláveis que se fundiam no ar –, ele queria agarrá-las com as mãos, mesmo que tivesse de pagar com a vida.” (pág. 182). Criei certa empatia por esse sujeito taciturno e um desejo de comunicá-lo as belezas mais profundas que, ao que parece, lhe passavam despercebidas.
Assim, acabei por encontrar na fala de uma colegial uma luz radiante, que se assemelhava a de um cometa – forte, mas fugaz: “Mas a sede de escrever não é também a sede de viver?” (pág. 195). Dita uma única vez, essa verdade não é em nenhum momento formalmente retomada pelo narrador, mas permeia toda a existência do protagonista. Apesar de seus sofrimentos e de seu trágico final, seu desejo pela vida se materializa na eternidade das palavras. A prolongação do próprio sujeito em seus escritos também está presente na convivência quase pessoal que ele nutria em relação aos autores que lia.
Portanto, ao término dessa leitura pude contemplar o ciclo de uma vida, descobrindo pequenos pontos de luz e abismos de escuridão. Vi que, assim como acontece quando finalizo a leitura de um diário antigo, a força da forma poética é capaz de transformar a dor em beleza e de dar a uma alma inquieta um pouco de sossego e paz, porque ela estabiliza nossas impressões subjetivas e ajuda-nos a enxergar com clareza aquilo que nos circunda. Assim, apesar de lamentar profundamente aquilo que lhe aconteceu, agradeço a gentileza que este homem teve de nos deixar registrado sua intimidade mais profunda e se tornar mais uma tímida luz a clarear a noite escura que vivemos: “Parando ao pé da árvore, ele ergueu os olhos, por entre os galhos, para o alto céu. Lá, bem sobre sua cabeça, brilhava uma estrela.” (pág. 184).
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