13/06/2020

Poesia e silêncio.


“Quando n'alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e de beleza.”

No começo do mês comecei a decorar este poema do Manuel Bandeira, mas pela suposta agitação e ocupação exaustiva daqueles meus dias, acabei parando na segunda estrofe. Pensando que um poema decorado já não serve pra muita coisa, meio poema serviria menos ainda – essa era a minha íntima constatação. E vivi meus dias andando de um lado pro outro, tendo em alguns momentos a lembrança destas palavras que de certa forma me chamavam. Passou.

Dia vinte e um de março de dois mil e vinte. Logo ao acordar, esse poema surge em minha memória. Não me disse nada além das palavras que já conhecia, mas o silêncio dos últimos dias tinha me dado uma nova possibilidade: escutar o que antes não podia. Calada, sentada e atenta: penso nele. Tenho estudado um pouco sobre a história de Portugal e me encantado com o tipo de vida que se vivia há tanto tempo atrás: os reis, os camponeses, as disputas, as guerras, as preces, as pestes... “Quando n'alma pesar de tua raça, a névoa da apagada e vil tristeza...”! É isso! É exatamente o que estamos vivendo!

No poema, Bandeira fala sobre o povo português e o grande Camões. Sei muito pouco sobre o contexto histórico em que foi escrito, e se por acaso Portugal passava por algum momento difícil, portanto estou limitada a dizer somente aquilo que a minha ignorância grosseira pode apreender. Vivemos dias incertos (sempre foi assim e será). Antes, caminhávamos na vida à moda da prosa: correndo por muitas linhas, parágrafos, páginas. Sem pausas ou instantes concentrados de vida que clamassem por atenção. Tudo estava disperso e nossos corações vazios. De repente, da prosa fez-se a poesia. Ao homem desatento a vida pediu atenção, e ao homem barulhento ela pediu silêncio. Era isso que antes buscávamos sem saber...

“Busque ela sempre a glória que não passa, em teu poema de heroísmo e de beleza”, eis a receita do bolo. Mas que poema é esse?, poderíamos perguntar. Camões escreveu tantos, Bandeira outros mais. E hoje há um florescer constante de gente que escreve e que quer ser lida. Para onde devemos então voltar o nosso olhar? Para os nossos poemas! Existe uma frase que gosto muito e ela diz assim: transformar em poesia heroica a prosa de cada dia. E é dessa poesia que estou falando.

Bandeira dirá sobre o poeta lusitano: "Gênio purificado na desgraça, tu resumiste em ti toda a grandeza: Poeta e soldado...". Diante dessas palavras a constatação foi clara. Como o poeta e o soldado, devo estar atenta ao essencial, mas um me conduzirá ao alto e o outro fincará meus pés no chão.

Só com metade de um poema fui salva dos mares agitados destes tempos.


Texto escrito originalmente no dia 21 de março de 2020.

6 comentários:

  1. Bonjour, miss Gabriela. Ça va?

    Embarcar na jornada de conhecer um novo poeta é sempre maravilhoso. Nos enroscamos em sua teia de palavras e nos enebriamos por seu delicioso veneno de jogos e sons. Espero que saia de lá viva, mas transformada positivamente também.

    Beijos açucarados e au revoir

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    1. Exatamente! É a experiência de sentir um só sentir, dividir o coração.

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  2. Portugal <3

    Sabe, Gabriela, a poesia portuguesa contemporânea também é boa demais... Posso te recomendar uma página? @opoemaensinaacair, no Instagram. Uma dose diária de muita inspiração.

    (Porque só a arte para nos salvar nesses dias mesmo, né...)

    Um abraço enorme pra ti! Fique bem, e tenha um fim de semana bem bonito.

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    1. Nossa, gostei demais da página que você indicou! Já comecei a seguir. Muito obrigada, querida!

      Abraços.

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  3. Que blog lindo...cheio de poesia! Amei! ♥

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