“Quando n'alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e de beleza.”
No começo do mês comecei a decorar este poema do Manuel Bandeira, mas pela suposta agitação e ocupação exaustiva daqueles meus dias, acabei parando na segunda estrofe. Pensando que um poema decorado já não serve pra muita coisa, meio poema serviria menos ainda – essa era a minha íntima constatação. E vivi meus dias andando de um lado pro outro, tendo em alguns momentos a lembrança destas palavras que de certa forma me chamavam. Passou.
Dia vinte e um de março de dois mil e vinte. Logo ao acordar, esse poema surge em minha memória. Não me disse nada além das palavras que já conhecia, mas o silêncio dos últimos dias tinha me dado uma nova possibilidade: escutar o que antes não podia. Calada, sentada e atenta: penso nele. Tenho estudado um pouco sobre a história de Portugal e me encantado com o tipo de vida que se vivia há tanto tempo atrás: os reis, os camponeses, as disputas, as guerras, as preces, as pestes... “Quando n'alma pesar de tua raça, a névoa da apagada e vil tristeza...”! É isso! É exatamente o que estamos vivendo!
No poema, Bandeira fala sobre o povo português e o grande Camões. Sei muito pouco sobre o contexto histórico em que foi escrito, e se por acaso Portugal passava por algum momento difícil, portanto estou limitada a dizer somente aquilo que a minha ignorância grosseira pode apreender. Vivemos dias incertos (sempre foi assim e será). Antes, caminhávamos na vida à moda da prosa: correndo por muitas linhas, parágrafos, páginas. Sem pausas ou instantes concentrados de vida que clamassem por atenção. Tudo estava disperso e nossos corações vazios. De repente, da prosa fez-se a poesia. Ao homem desatento a vida pediu atenção, e ao homem barulhento ela pediu silêncio. Era isso que antes buscávamos sem saber...
“Busque ela sempre a glória que não passa, em teu poema de heroísmo e de beleza”, eis a receita do bolo. Mas que poema é esse?, poderíamos perguntar. Camões escreveu tantos, Bandeira outros mais. E hoje há um florescer constante de gente que escreve e que quer ser lida. Para onde devemos então voltar o nosso olhar? Para os nossos poemas! Existe uma frase que gosto muito e ela diz assim: transformar em poesia heroica a prosa de cada dia. E é dessa poesia que estou falando.
Bandeira dirá sobre o poeta lusitano: "Gênio purificado na desgraça, tu resumiste em ti toda a grandeza: Poeta e soldado...". Diante dessas palavras a constatação foi clara. Como o poeta e o soldado, devo estar atenta ao essencial, mas um me conduzirá ao alto e o outro fincará meus pés no chão.
Só com metade de um poema fui salva dos mares agitados destes tempos.
Texto escrito originalmente no dia 21 de março de 2020.
Bonjour, miss Gabriela. Ça va?
ResponderExcluirEmbarcar na jornada de conhecer um novo poeta é sempre maravilhoso. Nos enroscamos em sua teia de palavras e nos enebriamos por seu delicioso veneno de jogos e sons. Espero que saia de lá viva, mas transformada positivamente também.
Beijos açucarados e au revoir
Exatamente! É a experiência de sentir um só sentir, dividir o coração.
ExcluirPortugal <3
ResponderExcluirSabe, Gabriela, a poesia portuguesa contemporânea também é boa demais... Posso te recomendar uma página? @opoemaensinaacair, no Instagram. Uma dose diária de muita inspiração.
(Porque só a arte para nos salvar nesses dias mesmo, né...)
Um abraço enorme pra ti! Fique bem, e tenha um fim de semana bem bonito.
Nossa, gostei demais da página que você indicou! Já comecei a seguir. Muito obrigada, querida!
ExcluirAbraços.
Que blog lindo...cheio de poesia! Amei! ♥
ResponderExcluirMuito obrigada, querida!
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